Entre os 100 000 funcionários de sua folha de pagamento, a gigante inglesa das telecomunicações British Telecom tem um com cargo curioso: futurólogo. Desde a década de 90 Ian Pearson investiga novas tecnologias para a empresa e tenta prever suas possíveis implicações para o mercado e a sociedade. Colecionou acertos, como a importância dos mecanismos de busca para navegar na internet e o correio eletrônico. Recentemente, uma entrevista ao jornal inglês The Observer causou polêmica: nela, Pearson previu que até 2050 será possível passar as informações do cérebro de qualquer pessoa para um computador, teoricamente permitindo que uma cópia dele continue funcionando depois da morte. O futurólogo garantiu a VEJA que não se trata de um delírio de cientista maluco, e sim de uma conseqüência natural do progresso de tecnologias hoje em estágio inicial.

Veja – O senhor afirma que em 2050 será possível copiar um cérebro em uma máquina. Como?
Pearson – Já é possível fazer ligações simples entre máquinas e o sistema nervoso. Se um braço é amputado em um acidente de trabalho, por exemplo, pode-se obter uma prótese com alguns contatos entre os nervos restantes e componentes eletrônicos dessa prótese. Estamos nesse pé hoje, mas a tecnologia deve progredir dramaticamente nas próximas décadas. Será possível registrar e copiar sensações, como apertar a mão de alguém virtualmente e realmente sentir o aperto. Isso se tornará viável em 2020.

Veja – E depois?
Pearson – Depois conseguiremos ligações muito mais profundas com o sistema nervoso. Graças à nanotecnologia, aparelhos de tamanho infinitesimal poderão se conectar a cada neurônio do corpo e mapear a atividade elétrica. Será como um backup de seu cérebro em um computador. Você morrerá, mas pelo menos sua mente poderá seguir em frente. Dentro de cinqüenta anos, pelo menos os mais ricos terão acesso a uma espécie de "imortalidade eletrônica". Mais tarde, pode ser possível instalar esse cérebro em um andróide parecido com você e viver como se nada tivesse acontecido. Esse robô conterá músculos de gel orgânico, que terão sensações como os músculos de verdade.

Veja – O senhor também afirma que as máquinas superarão em breve a capacidade de processamento do cérebro humano. Isso não é perigoso?
Pearson – Elas vão alcançar os seres humanos, em termos de inteligência, entre 2015 e 2020. Mas acho que o homem não será tão estúpido a ponto de fazer máquinas com inteligência sobre-humana. Será encontrado um jeito de manter o ser humano no comando.

Veja – Isso significa que os computadores terão consciência?
Pearson – Sem dúvida. Há quem diga que é impossível definir o que é consciência. Mas não é preciso. Máquinas terão consciência tanto quanto nós, e talvez mais, qualquer que seja a definição. Elas terão mais percepção de si mesmas e do entorno e processarão informações mais rapidamente que eu ou você.

Veja – Isso não soa como um roteiro ruim de ficção científica?
Pearson – A ficção científica inquieta as pessoas. De fato, se você criar máquinas muito superiores e elas não gostarem da gente, acabarão vencendo. Mas podemos criar algumas salvaguardas. Isso se dará por uma ligação total entre o cérebro humano e o computador, por volta de 2040. Ela dará ao homem uma inteligência extra. Com isso, por mais esperta que seja a máquina, ela não levará vantagem sobre as pessoas, porque estas também serão mais inteligentes.

Veja – Como isso transformará o mundo do trabalho?
Pearson – Sou pessimista quanto a isso. Máquinas podem mudar a natureza do trabalho, mas não acho que elas realizarão apenas as tarefas chatas: vão substituir o homem em muitas profissões interessantes. Alguns serviços aborrecidos são mal pagos, e talvez não seja economicamente vantajoso usar computadores neles. Então teremos tarefas ingratas feitas por seres humanos. A grande transformação virá com o crescimento da chamada economia assistencial. Profissões que exigem muito contato pessoal, como a enfermagem, estarão no topo. Computadores podem fazer diagnósticos e receitar medicamentos, mas não imagino um robô substituindo uma enfermeira.

Veja – Praticamente todos os seres humanos trabalharão em casa?
Pearson – No curto prazo, muitos. Nos próximos dez ou quinze anos veremos um crescimento do teletrabalho. Mas, como o mercado de trabalho vai se voltar para o contato entre as pessoas, será preciso estar fisicamente presente para prestar esse tipo de serviço. Enfermeiras não podem teletrabalhar. Professores têm de estar em contato com os alunos. O que veremos nos próximos vinte anos será uma tendência à "relocalização", em vez da globalização.

Veja – As novas tecnologias terão impacto sobre o meio ambiente?
Pearson – À medida que aumenta a riqueza global, aumenta nossa pressão sobre o meio ambiente. Mas sustentabilidade não é deixar de fazer coisas, que é o que certos grupos ambientalistas parecem querer, e sim descobrir formas sustentáveis de continuar progredindo. Podemos produzir aparelhos eletrônicos que consumam menos e materiais mais leves, resistentes e flexíveis, utilizando menos recursos. A nanotecnologia vai aumentar a eficiência dos painéis de energia solar. A fusão nuclear será mais segura. Vamos poder deixar o petróleo embaixo da terra. O impacto ambiental da humanidade será muito menor e mesmo assim teremos uma qualidade de vida muito melhor

Veja – O homem será capaz de controlar a própria evolução?
Pearson – Seremos a primeira espécie capaz disso. O fato de podermos modificar nossos próprios genes é um grande passo nessa direção. Toda semana se anuncia a identificação de um novo gene, responsável por isto ou por aquilo. No futuro poderemos escolher a aparência e a personalidade de nossa prole. Se é possível fazer isso em microescala, com indivíduos, claro que será possível para a espécie como um todo. A sociedade poderá escolher seu caminho. Por exemplo, há quem ache que seres humanos menores são mais adaptados ao meio ambiente, pois demandam menos recursos para viver. Não que eu ache essa uma boa solução, mas há quem a proponha.

Veja – Futurólogos no passado cometeram grandes equívocos.
Pearson – Eu jamais tentaria pintar o quadro completo da vida em 2050, até porque a maioria das coisas que afetarão o mundo em 2050 nem existe ainda. Mas o que podemos dizer, com um grau razoável de confiança, é que as coisas que discutimos não são impossíveis, porque já as conhecemos. Riram de nós em 1990 quando previmos e-mail, sistemas de posicionamento global e várias outras coisas para o ano 2000. Mas, quando olho para trás, 85% das nossas previsões estavam certas. Isso porque eram apenas a conseqüência lógica do progresso de tecnologias que já existiam.